O artigo tratará de intervenções clínicas e escolares que podem ser realizadas de forma remota para crianças e adolescentes do ensino fundamental I que tem diagnóstico de discalculia ou dificuldades em aritmética.
O que é Discalculia? Silva e Santos, 2011 descrevem que o Transtorno de Matemática é descrito pelo DSM-IV-TR (APA, 2002), referido no CID-10 (OMS, 1993) como Transtorno específico de habilidades aritméticas e internacionalmente conhecido como Discalculia do Desenvolvimento (DD) caracteriza-se como um transtorno específico que afeta a aquisição normal das habilidades aritméticas em crianças com inteligência normal e adequadas oportunidades de escolarização (Gross-Tsur, Manor, & Shalev, 1996; Shalev, 2004; Shalev & von Aster, 2008; von Aster, Schweiter, & Weinhold Zulauf, 2007).
Os autores afirmam que evidências genéticas, neuroanatômicas e epidemiológicas indicam que a DD é uma desordem de etiologia neurobiológica, embora fatores ambientais possam potencializar sua manifestação (Dellatolas & cols., 2000; Haskell, 2000; Rotzer & cols., 2009; Shalev, 2004; von Aster & Shalev, 2007). A prevalência varia de 3 - 6,5%, afetando meninos e meninas nas mesmas proporções, contudo, a maioria dos casos de DD apresenta comorbidades, como a dislexia e o TDAH (Gross-Tsur & cols., 1996; Koumoula & cols., 2004; Lewis, Hitch, & Walker, 1994; Shalev, Auerbach, Manor, & Gross-Tsur, 2000; von Aster & cols., 2007).
Em resumo, a criança ou adolescente que tem o diagnóstico de discalculia apresenta dificuldades relacionadas à numerosidades e cálculos. É comum que estes escolares apresentem também dificuldades relacionadas as funções executivas (memória operacional, flexibilidade cognitiva, atenção, controle inibitório, organização e planejamento).
A criança tem dificuldade em estimar quantidades bem pequenas, não distingue de imediato quando um objeto é maior que o outro, demoram a aprender a sequencia numérica, sempre conta nos dedos porque não faz cálculos mentais e sofre com procedimentos matemáticos principalmente na subtração com reagrupamento e divisão. Não automatiza os fatos da multiplicação. Apresenta também dificuldades em determinar os dias da semana e do mês.
Normalmente apresentam muita desorganização viso espacial, ou seja, não se organiza devidamente nas operações, confundindo as ordens dos números, troca números e sinais gráficos. O momento de estudo é sofrido e exige muito da criança em termos de concentração. Chega um momento em que a criança começa a desistir de aprender.
Por isto, é importante uma avaliação multidisciplinar para saber não só o diagnóstico mas o parecer pedagógico. Desta forma, os encaminhamentos e as intervenções tornam-se mais precisos. A família é orientada a submeter a criança ou adolescente a intervenção clínica, escolar e serviços complementares.
Intervenção clínica
A intervenção clínica pode ser feita por um profissional pedagogo ou psicopedagogo que trabalhe com programas de estimulação em estimativas e cálculos. Existem alguns programas como Cogmed, Calcularis, Kumon e intervenções de treino cognitivo diversas.
Falaremos um pouco delas, sempre lembrando que a tutoria é imprescindível, ou seja, não adianta colocar a criança em frente a tela sem uma mediação, há portanto a necessidade de um tutor certificado através de uma formação oferecida pela empresa para atuação. Este profissional acompanhará a criança desde a instalação do programa e acompanhará virtualmente o seu desempenho nas tarefas, tendo acesso aos resultados apresentados por ela. Desta forma, o profissional conseguirá dar o feedback e direcionamentos temporários para cada fase de aprendizado. Os sistemas geram relatórios temporários.
O Cogmed é um treinamento online e tem como objetivo melhorar a memória operacional. O treinamento é aplicado em apenas 25 sessões com duração média de 30 a 40 minutos. Melhora a capacidade de concentração, controle dos impulsos e desempenho em tarefas que exigem mais do cérebro.
Dybuster Calcularis é um programa online que treina as habilidades matemáticas de crianças e adolescentes do Ensino Fundamental através de jogos adaptativos e divertidos e conta com as recompensas virtuais. O software trabalha 3 áreas diferentes: Processamento de números; Adição e subtração; Multiplicação e divisão.
NeuronUP é uma plataforma para reabilitação cognitiva profissional. Cada atividade é nivelada seguindo parâmetros técnicos que permitem ao terapeuta adaptar a reabilitação à capacidade cognitiva de cada usuário. Ela pode ser usada por adultos e a versão NeuronUP Kids é direcionada às crianças, onde é oferecido jogos de estimulação cognitiva especializados e interativos.
Além destes programas, é sempre recomendável o atendimento remoto de profissionais tutores e clínicos, pois há sempre que avaliar a performance da criança, pois ela é mutável.
Na Clínica Vias do Saber temos profissional que realiza o trabalho, atuando ainda com complementações de programa próprio. Existe um programa de estimulação de funções executivas que foi desenvolvido por Lucrécia Vera com apoio e colaboração da neurologista Dra Maria Amin, da Dra Júlia Silva e da pedagoga Ozana Leal.
Intervenção escolar
Quanto a escola, a mesma tem que reunir o corpo docente para verificação ou não da adequação curricular. Quando a criança é avaliada pelos profissionais da Clínica Vias do Saber, sempre há o direcionamento quanto a intervenção escolar no relatório neuropedagógico.
Quando se fala em adequação curricular, há sempre dúvidas em relação ao que é e o que fazer. Quando oferecemos formações para professores ou damos assessoria, este é um dos assuntos que gera inquietação. Isto se dá devido a gama de informações e a para a tomada de decisão há necessidade de múltiplos olhares e os dados são variáveis.
No guia de formação do Ministério da Educação, faz-se referência a dois tipos de adequação curricular: significativo e não significativo. Descrevem ainda cinco itens a observar quanto à adequação curricular não significativo que são: organizativas, objetivos e conteúdos, procedimentos didáticos e nas atividades, temporalidade e avaliativos. Dependendo da idade e do tipo de estimulação recebida desde a educação infantil, a criança apresenta dificuldades mais leves em aritmética, porém isto não é uma regra. Trataremos neste artigo da adequação curricular não significativa que é a mais comum.
Em termos de adequação organizativa, em tempos de ensino remoto o que se pode oferecer é a possibilidade do trabalho em duplas. Sempre lembrando que não é bom que uma criança que tem a performance muito acima da média, auxilie o colega que encontra-se abaixo da média em matemática, pois ele dará resposta e não ajudará. Pode-se escolher uma criança que tenha uma performance na média para estar em dupla com o abaixo da média. Desta forma, a criança estará discutindo assuntos relacionados a matemática de uma forma menos formal. O professor pode pedir que façam isto através da plataforma de encontro como Zoom.
Quanto à adequação de procedimentos didáticos e nas atividades, a escola pode permitir que a criança faça o uso da calculadora, mas isto não é recomendável antes dos dez anos de idade, salvo em caso de Discalculia de nível grave.
Caso os professores necessitem de atuar com adequação curricular à nível de conteúdos, pode se optar pelo uso de plataformas digitais. Este tipo de escolha é indicada para crianças que estão com dois a três anos de defasagem em relação ao perfil da turma em que está inserida. O professor precisa dar atividades diferenciadas.
Seguem esclarecimentos acerca de algumas plataformas analisadas:
Matific é uma plataforma digital que oferece atividades que podem ser feitas online ou impressas. Trabalha com atividades diversificadas de matemática.
Khan Academy é uma plataforma digital que oferece atividades que podem auxiliar muito quem tem discalculia, pois trabalha com a metodologia individualizada instrucional. São apresentados vídeos que oferecem o apoio visual e auditivo. Usam cores diferentes para destacar informações principais, o que ajuda na memorização. Existe uma formação gratuita para o professor e ele pode cadastrar o seu aluno com dificuldades em matemática e acompanhar de forma remota o seu desempenho.
Apoio pedagógico
O apoio pedagógico em forma de aulas de reforço podem contribuir na repetição das informações e é o momento em que a criança usufrui de uma metodologia individual de ensino.
Além disto, há situações principalmente no quarto e quinto ano em que a defasagem não é só em cálculos, mas também na resolução de problemas relacionados a funções mais complexas. A criança precisa de consultar os modelos de resolução.
Uma técnica saudável nestes casos é o uso de flash cards que podem ser construídos pelos professores de reforço em atendimento remoto com auxílio de aplicativos como o Quizlet. O aplicativo auxilia na construção dos modelos e podem ser armazenados, podendo ser consultado em qualquer lugar pelo celular.
O uso de mapas mentais em matemática auxiliam também na organização das informações procedimentais. Eles podem ser feitos no aplicativo FreeMind ou mesmo com uso de post its, no atendimento remoto.
E quanto a avaliação desta criança? Toda a rede de clínicos e apoio pedagógico podem contribuir com informações acerca do desempenho e de que forma a criança pode ser avaliada e cabe a escola a tomada de decisão. A avaliação pode ser igual aos dos colegas de classe, mas com permissão de uso de calculadora, ou então com uso de flash cards. Pode também ser totalmente adaptada seguindo o seu perfil pedagógico.
Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da Educação. Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais / coordenação geral: SEESP/MEC ; organização Maria Salete Fábio Aranha. Brasília, 2003. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/serie4.pdf. Acesso em Junho de 2020.
SILVA, Paulo Adilson da and SANTOS, Flávia Heloísa dos. Discalculia do desenvolvimento: avaliação da representação numérica pela ZAREKI-R. Psic.: Teor. e Pesq. [online]. 2011, vol.27, n.2 [cited 2020-06-19], pp.169-177. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722011000200003&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0102-3772. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722011000200003. Acesso em Junho de 2020.
Sites citados
https://www.neuronup.com
https://www.matific.com
Comentários