Faz tudo... menos o que é pedido
É muito comum profissionais clínicos ouvirem dos pais: “Meu filho é inteligente, sabe o que tem que fazer, mas se desorganiza na execução de tarefas. Ao invés de focar na tarefa, ele distrai com tudo a sua volta e se eu não ficar de cima, não sai nada”. Esta e outras frases são muito frequentes no atendimento. Pais pedindo ajuda, pois reconhecem que seus filhos são capazes, mas tem algo que dificulta.
Às vezes a criança está na terapia fonoaudiológica, mas o trabalho ainda não avança como esperado porque falta atenção sustentada, persistência na tarefa ou porque a criança possui um comportamento impulsivo, não fica quieta ou quer fazer tudo rápido, sem processar a informação ou instrução dada.
Um dos fatores que geram esse prejuízo pode ser a disfunção executiva que se refere à falta de capacidade de executar bem àquilo que aprendemos.
Alguns autores descrevem o que são as chamadas funções executivas. É um conjunto de habilidades responsáveis pelo controle top-down do comportamento que atua no controle e na regulação dos processos comportamentais que inclui cognição e emoção. Quando uma pessoa se engaja em uma atividade ou uma situação nova que ela não tem automatismo, ela necessita desta habilidade para ter êxito adaptativo. Não há consenso em quantas são as funções executivas, mas neste artigo citaremos a proposta de Miyake et al. em 2000 que considera que as funções executivas se constituem de três habilidades principais: inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva.
Inibição está relacionada ao controle que a pessoa tem de suas emoções e comportamento e que interfere no cognitivo. Se ela sente vontade de comer um doce, mas sabe que isto irá prejudicá-la ou que não está no horário de comer e ela não resiste e come mesmo assim é porque perdeu o controle. O mesmo vale para chorar demasiadamente, chutar ou bater em alguém porque não gostou de um ato do mesmo. Para que a pessoa preste atenção num determinado conteúdo ela tem que inibir ou jogar em segundo plano um barulho de porta abrindo, uma chamada de WhastApp e outros estímulos concorrentes.
A memória de trabalho é requerida quando se necessita de manter na mente informações e manipulá-las mentalmente na realização de uma tarefa. Quando a pessoa não consegue fazer isto ela para na execução da tarefa e às vezes não a conclui.
A flexibilidade cognitiva é a que permite a pessoa adaptar-se à demanda do ambiente e adequar-se as novas demandas.
Dentre outras, estas três habilidades são as mais importantes no processo de realização de tarefas, seja no dia a dia ou no acadêmico.
É comum que crianças, adolescentes e adultos que não tem uma atenção adequada ou que tem comportamento agitado apresente comprometimento nestas habilidades e se torne disfuncional. Quando mediado por um adulto consegue realizar a tarefa, mas se este não está presente ou não der o comando fragmentado ou repetido, a pessoa se perde no que deve fazer. É como se a pessoa funcionasse por instruções uma a uma. Nesses casos intervir nas funções executivas torna-se imprescindível.
A clínica Vias do Saber tem investido em grupos de estudos e na atualização das avaliações e intervenções das funções executivas, visto que compromete muito o desempenho acadêmico e funcional da criança ao adulto.
A intervenção de Treino Cognitivo com foco na reabilitação das funções executivas tem o propósito de estimular o potencial do paciente e levá-lo a vencer suas defasagens utilizando estratégias criadas, com a ajuda da terapeuta, durante o acompanhamento clínico. Os resultados são muito positivos pois a pessoa torna-se mais motivada para aprender quando reconhece suas habilidades e consegue vencer suas inabilidades através de atividades lúdicas e interessantes. É importante que a pessoa faça a transferência do uso dessas habilidades para demandas especifícas: vida acadêmica, tarefas diárias, eficiência no trabalho e até mesmo na melhor capacidade de regulação emocional.
Ao longo de mais de 5 anos trabalhando com essa abordagem de intervenção contabilizamos muitos resultados positivos. Citaremos dois casos em especial: uma criança de 7 anos, estudante de escola pública que apresentou muita dificuldade na alfabetização. A criança estava entrando em um processo de depressão por não conseguir obter o mesmo resultado na aprendizagem que seus colegas de sala. Foi encaminhada para a Equipe Vias do Saber, fez diversas avaliações nas quais foram constatadas dificuldade atencional e risco para Dislexia. Foi encaminhada para a terapia com fonoaudióloga e também para o treino cognitivo. No início demonstrou resistência nas tarefas com letras e associadas à alfabetização, mas foram utilizadas outros recursos como jogos e desafios cognitivos. Aos poucos ela foi percebendo que possuía um potencial que estava escondido devido a desmotivação e sensação de fracasso na aprendizagem. Passou a utilizar esse potencial para criar estratégias e responder melhor à intervenção com a fono e realizar as tarefas dadas em aula. Ao final de alguns meses de acompanhamento já havia vencido suas dificuldades e estava acompanhando o ritmo da turma.
Outro caso interessante é de uma criança de 8 anos, escola particular, que não gostava de realizar atividades escolares, tinha um perfil hiperativo, não se concentrava nas atividades e queria trocar por outras ou preferia brincar. Foi estimulado com vários jogos e desafios com o propósito de levá-lo a parar, pensar e depois executar. Aos poucos foi respondendo à estimulação e fazendo transferência para outros contextos: melhorou o comportamento na execução dos deveres e melhor participação em sala de aula.
Atualmente, estamos vivendo um contexto diferente onde o estudante não está num ambiente coletivo presencial, mas está num ambiente virtual coletivo, permeado por plataformas. Neste momento requer mais flexibilidade cognitiva que dantes, muita inibição (pois a internet é repleta de estímulos distratores) e memória de trabalho, além das outras funções que não foram ressaltadas neste artigo como planejamento, organização e outros.
Diante dessa situação em que estamos vivendo é muito importante que pais e responsáveis estejam atentos aos sinais de disfunção executiva e busquem formas de tratamento para evitar a dificuldade da criança em alcançar autonomia necessária para vencer seus desafios.
Referências
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